Arte que faz história
Como os diversos tipos de arte constroem nossos momentos e memórias
Publicado em 07/2022
Quem nunca pegou aquele transporte voltando pra casa e a rádio ligada na JB FM te sintonizou nas memórias da infância e adolescência? Esse é um dos poderes que a arte tem sobre nós, nossa história e a construção de momentos em nossa vida. Alguns desses momentos ficam registrados em fotos, ou naquela música que nos primeiros acordes já faz a mente viajar para um lugar só nosso...
Tá, mas aonde eu quero chegar com isso? Quero falar (ou pensar) sobre a não valorização da arte e dos artistas no nosso país, e o quanto não enxergamos o consumo e a importância da arte no nosso dia a dia.
No começo da pandemia, quando tínhamos que ficar isolados em casa, o que nos salvou foram os filmes, séries, músicas, lives musicais e artistas que batalharam muito para se manterem ativos em meio ao caos. Foi através da arte que muitos brasileiros puderam se distrair e manter o pouco da sanidade mental que restava. Não é à toa que o consumo de arte no mundo virtual aumentou 57% desde 2020, segundo pesquisa da Câmara Municipal de Fortaleza.
Claro que, ao falarmos de arte e história, não podemos esquecer da importância política e social que a arte tem na construção da nossa sociedade. Vivemos tempos sombrios e muitos artistas estão desenvolvendo um papel muito importante nesse momento: de registrar movimentos políticos, sociais e históricos para as próximas gerações seguirem o caminho de fortalecimento.
Não dá pra negar a grande importância que a internet vem conquistando ao abrir as caixas de diálogo e possibilitar uma conversa mais aberta entre muitos. O acesso à informação ficou mais possível e conseguimos consumir muito mais arte, mesmo sem nem perceber. Nesses micro-momentos de interação com músicas, imagens, textos, vídeos e etc estamos construindo nossa história.
Pensando nesses momentos, bati um papo com alguns artistas da atualidade cujas narrativas representam muito mais que suas próprias vivências e histórias. A questão para todes foi a mesma:
Como enxergam seus trabalhos e obras na construção de suas histórias e nas histórias das pessoas que se identificam com suas fotos/pinturas e vivências?
Guilherme Kid - artista plástico e urbano, nascido e criado em Realengo. Seu trabalho retrata o subúrbio e a periferia, em seus aspectos sociais, culturais e cotidianos.
"Enxergo um grande círculo de identificação, pois de fato o que eu ponho pra fora é sobre minhas vivências e sobre locais semelhantes ao qual eu nasci e pertenço.Também penso muito em protagonismo nisso tudo, as pessoas que eu retrato, pessoas que vivem muito longe dos cartões postais da cidade do Rio de Janeiro, são pessoas renegadas pelo sistema - não só as pessoas em si, mas a região onde elas moram. Portanto, eu as ponho também em um lugar de destaque nas minhas obras - como protagonistas, pois na realidade é o que elas são: as verdadeiras protagonistas do Rio de Janeiro!"
Manuela Navas - artista visual e, com seu trabalho, ela escreve a história sobre o feminino e o maternal, cujas temáticas principais são os corpos negros.
"A minha história e a questão sobre a existência em si são as pesquisas que permeiam o meu trabalho. Tento lançar luz em cenas do meu presente e passado para tentar entender esse existir, o que é estar e ser, para mim. A questão racial é um tema presente, isso é inegável, mas o pensar em cenas sou eu querendo pensar histórias, minhas e dos que me cercam. Acredito que haja talvez certas reflexões sobre a vida que só se tornaram possíveis pra mim depois de pintá-las. Então, em resumo, o meu trabalho tem sedimentado certas reflexões sobre o que é verdade e o certo para mim, assim como entender o que veio antes de mim para pautar um futuro."
Juliana Minelli - designer e ilustradora. Retrata muito o universo lúdico, revela um mundo que vivemos por dentro, fora do alcance dos olhos.
"Nesse universo que venho construindo, descobri um jeito de conversar sobre a condição humana usando metáforas e símbolos silenciosos, e essa possibilidade mudou tudo pra mim. Ilustrar sentimentos é uma experiência que me ajuda a me relacionar e a desvendar muitas camadas do cotidiano. Quando alguém encontra essas imagens e traz pra sua vida, aquela mensagem desenhada é associada a algo que viveu, que pode ser bom ou ruim. No entanto, também pode trazer a sensação de não estar sozinho. Essa identificação mostra por si só a companhia que temos e fazemos a quem nem conhecemos quando nos sentimos da mesma forma. E é por isso que eu sigo construindo o Mundo Invisível!"
Rafael Rodrigues - fotógrafo com olhar intimista para os detalhes do dia a dia. Praia, show, sambinha e as histórias e vivências da Zona Norte do Rio de Janeiro fazem parte dos seus cliques.
"Tento mostrar o que eu vejo, meu dia a dia. As pessoas que me acompanham costumam se identificar com minha arte, porque ela passa a nossa vivência diária. Eu só registro um instante. Acredito que meus momentos em silêncio me dão outra perspectiva sobre o cotidiano. Às vezes, registro ou compartilho, ou deixo só na minha cabeça. A interpretação vai de cada um, mas esse é meu olhar."
Helena Cebrian - se mudou do Brasil e encontrou, nas fotografias analógicas, uma forma de retratar seus amigues e dia a dia nesse mix de sentimentos. O principal deles é a saudade, que dá nome ao seu projeto.
"Grande parte dos meus projetos pessoais são super pessoais (risos). Como meu projeto SAUDADE, por exemplo, em que eu explorei, através da fotografia, o cotidiano de saudade da minha nova realidade Rio-Londres. Nesse projeto, também incluí fotos da minha infância, dos meus pais em sua juventude e até minha certidão de nascimento. Tudo isso torna o projeto extremamente pessoal, onde eu consigo compartilhar um pouco da minha história, da minha perspectiva. O que eu acho interessante é como nas entrelinhas muitas pessoas conseguem se relacionar com aquilo, e com o sentimento maior que toma conta do contexto geral. É também nas pequenas coisas, como uma cadeira de praia ou uma rua do Saara, onde eu tentei criar essa nostalgia, especialmente para quem não é do Brasil, para todos chegarem um pouco mais perto do sentimento que quero passar, do que é a saudade."
Aquela cervejinha gelada no bar, aquela praia gostosa com os amigos, aquele papo furado na janela de casa com os vizinhos, aquele rolê gostoso da zona norte à zona sul da cidade. A vivência diária ilustrada pelas pinturas e fotos de artistas que nos fazem sentir em casa, como se a nossa própria história estivesse representada naquela obra.
A arte vem para nos libertar, nos conectar, nos fazer pensar e sentir. É importante perceber que a arte não é só sobre criar, é sobre sentir. É sobre troca, representatividade e história, mas muita história mesmo. História nossa que se conecta com a história de pessoas que não conhecemos, mas ambos partem do mesmo ponto: viver a vida e guardar os melhores momentos no álbum virtual e sentimental. É sobre isso.
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Créditos imagens (em ordem):
1 a 3: Helena Cebrian
4 a 5: Carla Oliveira
6 a 10: Guilherme Kid
11 a 15: Manuela Navas
16 a 20: Juliana Minelli
21 a 26: Rafael Rodrigues
27 a 33: Helena Cebrian