‘A cidade está seguindo a linha do trem’
A DUTO, em Madureira, atrai eventos culturais para o Rio cortado pela ferrovia e pelo BRT
A linha férrea corta a cidade em vários sentidos e através dela milhares de pessoas se locomovem todos os dias - geralmente sem muito conforto ou qualidade nas longas viagens. Para além do transporte de massa, ela também é uma fronteira que rompe o físico e vai até o social nos bairros por onde passa. Sou nascida e criada no subúrbio, na Zona Oeste, e, apesar das escolas de samba ferverem por lá o ano inteiro, das rodas de samba na esquina, dos bailes funk e festas, não é fácil encontrar opções culturais e de entretenimento nos arredores da linha do trem.
Mas a pouco mais de 200 metros da estação de Madureira tem uma galera trabalhando pela música, a cultura e o entretenimento do subúrbio, a equipe da DUTO. Conhecemos o lugar em janeiro, quando fomos convidados para curtir e fotografar o Verão nu Roof, primeiro evento aberto ao público (composto apenas por amigos de amigos) feito no terraço do espaço, que tem uma vista incrível do bairro: dá pra ver os morros verdinhos com torres de transmissão de energia, as casas coloridas, parte do comércio efervescente, o famoso viaduto Negrão de Lima e até um pedacinho do Parque Madureira, lá longe. Saí de lá com os olhos brilhando. A cultura do subúrbio ferve, não precisa copiar a Zona Sul e é muito maior que os estereótipos mostrados na TV (Alô, “Esquenta”! Beijão, flw).
Engana-se quem pensa que essas festas que aconteceram nos domingos de janeiro marcavam a estreia da DUTO. A empresa nasceu em 2009, nas mãos de Marcelo Dughettu, que precisava reunir em um CNPJ as atividades artísticas e projetos que tocava. Em 2011, o amigo Marcius Victoriano entrou no jogo como sócio, e os dois começaram a pensar na possibilidade de reunir tudo o que gostavam de fazer em um espaço – e foi assim que encontraram o apartamento vizinho do viaduto, da estação de trem e do BRT, para onde se mudaram em outubro de 2015. “Queríamos ter um espaço em Madureira que pudesse abrigar uma nova forma de olhar para o subúrbio, para a galera, o estilo, o comportamento daqui. Um espaço de convivência com lugar para troca de ideias, com esse desejo de conectar pessoas e transformar essa convivência em ação, não ser só um espaço de opinião ou de ideias. Não queríamos ser só um comentário no Facebook, queríamos ser algo mais tangível”, conta Dughettu, nascido em Guadalupe.
Tá, beleza, mas o que rola lá dentro? Para começar, as festas não são focadas na curtição, mas em estratégia (com um pouquinho de curtição). Dughettu e Marcius definem-sem-definir a DUTO como uma empresa de management, que tem a música como pedra filosofal. O trabalho é focado em inserir os artistas em projetos e oportunidades no mercado, ajudando-os na organização e gerência em prol de mais eficiência. “Se você quer sair de um ambiente mais alternativo para o mainstream, acredita-se que você precisa ficar parecido com algo que já existe. Sendo do seu jeito, só seria possível chegar até uma parte do caminho. Se quiser aparecer em uma emissora específica, entrar em uma gravadora, ter mais visibilidade, o artista tem que abrir mão de parte do seu conceito para se moldar a um modelo de negócio, a um modelo estético, porque a indústria coloca ele na parede”, comentam os sócios. “Mas aqui não. Não queremos ser parecidos com o viaduto de Madureira ou com o Barra Music. Somos o gueto, somos a DUTO, somos desse jeito e dessa forma. E, assim, estamos conseguindo nos desenvolver”, dizem. E esse desenvolvimento chega com uma ajudinha dos investimentos do poder público no subúrbio, como a construção do Parque Madureira, das Naves do Conhecimento e do BRT, fomentando mais oportunidades na Zona Norte e Oeste da cidade. “Nada acontece só porque você tem uma ideia na cabeça, é preciso acompanhar para onde a cidade está indo. Atualmente a cidade está indo para as zonas Norte e Oeste. A cidade está seguindo a linha do trem”, afirma Dughettu. “A DUTO é o lugar improvável da cidade possível”, resume.
O casting de artistas da DUTO é dividido entre o Camp, projeto de desenvolvimento de novos artistas como Antiéticos, Marcão Baixada e a DJ Tamy, e o Label, com nomes mais consagrados no mercado, como o próprio Dughettu e seu amigo Ramonzinho. Cada um tem uma demanda diferente, que vai desde oportunidades de inseri-los em projetos de grandes marcas a assessoria jurídica, planejamento estratégico e de redes sociais. “Aqui os artistas são tratados como se fossem contas, cada um tem a sua forma de trabalho e se beneficia de um guarda-chuva de coisas legais, que acabam sendo complementares”, explicam. A curadoria é feita na rua, com indicação de amigos e nos eventos que a equipe frequenta, como conta Duguettu: “Esta é a forma mais eficiente de relacionamento. Hoje, o leque de artistas na rua é muito grande, mas ter conexão com o que a gente faz é muito importante. Nós estamos na rua, nós somos a rua. Nós falamos a língua”. E fluentemente.