Morar em Portugal é assim
A rotina sem filtro de Louise Palma, uma brasileira no Porto
Publicado em 04/2018
"Mas todo mundo resolveu morar fora, agora?", você deve ter se perguntado recentemente. E não é só impressão sua. No ano passado, a Receita Federal divulgou que entre 2014 e 2016 o número de Declarações de Saída Definitiva do País cresceu 81,61%. Realmente tem uma galera saindo do Brasil para tentar a vida na gringa, reflexo das crises política e econômica que estamos vivendo. Ou só vontade de se arriscar mesmo.
Independente da motivação, fato é que muitos jovens estão cogitando morar no exterior, nem que seja só por um período. Por isso, começamos hoje esta seção, para ajudar a decidir qual país merece te receber - ou só pra matar sua curiosidade de como é viver pelo mundo. Mas nem pense que nossa ideia é falar que a solução pros seus problemas está fora do +55, aqui o esquema é falar a real, sem filtro ou poção mágica.
Pra começar, desembarcamos em Portugal, não por acaso. Já reparou na quantidade de brasileiros que se mudou pra lá nos últimos anos? É u-ma ga-le-ra. Parece que tem mais brasileiro em Portugal do que em Búzios! E a Louise Palma é uma delas.
Você já a viu por aqui, a Lou é uma das autoras do "Bravas viajantes", livro que reúne relatos da experiência de sete mulheres viajando sozinhas por esse mundão. Só que no ano passado ela decidiu viajar com passagem só de ida e acompanhada do marido, Livio Vilela, para fazer mestrado no Porto, outra cidade que, além de Lisboa, é queridinha dos brasileiros no outro lado do oceano. E morar em Potugal é assim...
Por que você saiu do Brasil? Por um mix de motivos. Desde que eu voltei de um intercâmbio de seis meses na Espanha, em 2010, eu cultivava essa vontade de morar em outro país de novo. Pensava em um período mais longo, mas a minha vida foi caminhando no Rio. Terminei a faculdade, comecei uma caminhada profissional que me realizava bastante, namorei e casei... Essas coisas que vão estabilizando as nossas trajetórias. Só que, com o tempo, eu voltei a me questionar sobre o futuro e sobre o que eu queria fazer dali a, sei lá, cinco anos. A isso, juntou-se todo o cenário caótico da nossa cidade e me pareceu um bom momento para sacudir, voltar a estudar, abrir os horizontes... E foi assim que eu resolvi fazer um mestrado em Portugal.
Por que Portugal? Também por um mix de motivos! Primeiro a parte sentimental: em 2015, meu sogro e a esposa dele (sim, os dois) fizeram um pós-doutorado em Lisboa e, motivados a visitá-los, fomos, eu e Livio (marido da Lou), passar uns dias de férias lá. Aproveitamos pra estender até o Porto, conhecer outras cidades próximas, mas ficamos em Lisboa mais tempo. Como tínhamos casa, deu pra sentir um pouco do cotidiano, sabe? Aí, no ano seguinte, voltamos pra Portugal e fomos passar férias na região do Algarve, e eu voltei pro Rio sem querer voltar, com aquela vontade de poder ficar mais tempo.
Agora a parte prática: Pra gente, Portugal era um país viável tanto financeiramente quanto em termos de visto. Nós não temos cidadania, mas o visto de estudante me dá o direito de ser acompanhada pelo meu marido durante o período do curso. Além disso, tem a facilidade da língua ser a "mesma".
Há quanto tempo você está aí? E pretende ficar por mais quanto tempo? Há quase 10 meses, o que significa que ainda tenho um ano e dois meses de mestrado. Quando acabar o curso, a gente vê que bicho dá. Se rolar alguma oportunidade de trabalhar aqui, eu fico mais tempo.
Rolou um choque cultural ou a adaptação foi tranquila? Logo que chegamos, em pleno verão, lembro de ter estranhado que muitos estabelecimentos fecham e dão férias coletivas pros funcionários. Então, demos com a cara na porta de alguns lugares, que deixavam um bilhete: "Estamos de férias. Voltamos dia tal". Outra coisa foi a estrutura dos apartamentos, que dispensam tanque e nem sempre têm ralo na cozinha e no banheiro. Haha! A louquinha da limpeza, né? Dá-lhe produto químico e pano úmido (que se lava onde!? No bidê! Hahaha!).
Quais são as coisas mais maneiras da rotina em Porto? E da sociedade portuguesa? O que eu mais gosto aqui é poder andar a pé sem ter medo. Muitas vezes eu dispenso o transporte público porque é agradável (e possível, no quesito distância) caminhar. Meto uns fones no ouvido e vou curtindo o que vem pelo caminho. Agora que sou estudante eu também frequento bibliotecas, coisa que eu nunca fazia no Rio. E, nos fins de semana, quando o tempo está legal, faz parte da minha rotina passear na minha própria cidade. Eu amo poder comer pasteis de nata a qualquer hora e também amo estar perto das gaivotas. Aqui tem muita gaivota e elas se comportam que nem uns pombos, mas eu acho um bicho tão lindo... fico sempre encantada.
Da sociedade portuguesa, uma das coisas que eu mais curto é a oportunidade de troca. Em geral, os portuenses são bons de papo, gostam de conversar, de perguntar e adoram dar umas dicas locais.
O que é esquisito e/ou chato de morar aí? Eu ainda estranho um pouco o clima. Por mais que o Porto não seja dos lugares mais frios e que aqui não neve, é bem diferente do clima do Rio. Outra coisa que eu ainda acho estranho é a quantidade de cafés e restaurantes que não abrem domingo, mesmo na região mais turística.
Qual foi sua maior dificuldade até agora? A parte de regularizar a documentação não é exatamente difícil, mas é super burocrática. Ok que estamos acostumados com uma burocracia, mas é demorado. Foram seis meses aguardando minha autorização de residência, por exemplo. Mas, dificuldade mesmo, eu acho que foi lidar com alguns (vamos chamar de) imprevistos que eu tive com o mestrado, porque minhas expectativas não bateram exatamente com a realidade e aí eu tive que me adaptar.
No que você já chegou arrasando? Nos conhecimentos musicais! Hahaha! Muitos portugueses que eu conheci são super fãs de música brasileira (e aí vai de funk e sertanejo a MPB). É maneiro poder indicar coisas, ver o interesse de uma pessoa que nasceu e se criou do outro lado do oceano, mas que curte um som do teu lugar de origem.
Portugal faz jus ao hype que foi criado em torno dele? Tem bastante hype, mas acho que faz jus. Falando do Porto, é uma cidade receptiva, que funciona bem e é tranquila de viver. Além disso, o Porto é lindo e está em ebulição com todo o movimento que o turismo traz. Ao mesmo tempo, tenho a sensação de que as pessoas acham que vão encontrar um pote de ouro assim que cruzarem o oceano, sabe? E não é bem assim.
Como vocês estão se mantendo aí? É tranquilo arrumar trabalho? Com o visto de estudante, é preciso pedir autorização pra trabalhar e, no meu caso, isso seria quase impossível por causa do horário insano do meu mestrado. Mas, sendo um part-time e tendo a autorização, seria possível sim arrumar um emprego e complementar a renda. Porém, a gente veio sem depender de ter que arrumar um emprego aqui, porque o Livio tem um emprego remoto e pode trabalhar de qualquer lugar, desde que tenha internet. Além disso, eu tinha uma grana guardada, o que também é importante. A verdade é que vida de imigrante nunca é moleza e eu tenho a noção de que eu sou privilegiada pra cacete.
Quais dicas você dá pra quem quer se mudar pra Portugal? Acho que, independente da motivação, uma pessoa que quer mudar de país precisa se informar e se preparar (psicologicamente e financeiramente). Ler muito, entrar em grupo de Facebook, trocar ideia com quem fez essa mudança. Portugal "está na moda", como eles dizem aqui, mas não tem milagre. Em lugar nenhum tem milagre! E qualquer mudança é mudança e, por mais próxima que a cultura pareça ser, as diferenças existem.